20 de janeiro de 2014
[Javier Marías, em sua coluna
semanal no El País, Madri, 21/04/2013. Tradução: Zé Pedro Antunes]
Uma carta de um leitor me fez
rir há alguns dias, porque, sob a epígrafe “Somos mal
educados”, pautava o que vez ou outra venho apontando desde os anos 90: em 1995
publiquei, noutra parte, dois artigos respectivamente intitulados “Descorteses”
e “Bestiais”, lamentando a progressiva perda das formas mais elementares de
educação na Espanha, fato que chamava a atenção – eu ria – dos amigos
estrangeiros que aqui vinham. Ficavam perplexos ao constatar que poucos diziam
“por favor” ou “gracias”, ou “perdón” se neles esbarrassem pela rua; ao
perceber que muitos camareiros e funcionários os tratavam com informalidade
invariável e escassa urbanidade: “Deseja, senhor?”, como se os clientes fossem
um incômodo, ou intrusos.
Em seguida observei outros
costumes reinantes. É tão raro que alguém ceda a passagem como minimamente se
“estreite” ao cruzar com o outro, o que sempre terá de fazer se não quiser
levar uma trombada. Por algum tempo experimentei não arredar pé de propósito,
para ver no que dava: os que vinham de frente me atropelavam quase sem exceção,
nem sinal de desviar um milímetro, era como se eu não existisse. [...]
Em viagens de trabalho ao
exterior observo comportamentos até há pouco impensáveis. Os editores que te
convidam para apoiar a promoção de um
livro com a tua presença supérflua (parece que hoje importa mais a cara do
autor e seu blablablá do que sua obra; “the singer, not the song”, como me
disse o amigo Eric Southworth) costumam te dispensar um tratamento horrível:
mentem, enganam, exploram, enviam cronogramas que logo se ampliam
traiçoeiramente até o esgotamento, abusam ao extremo, cobram sua libra de carne
na pele do escritor exausto. [...]
A última novidade: você viaja
de uma cidade a outra, de trem, de carro ou de avião, acompanhado por uma
pessoa do departamento de promoção, normalmente jovem. Pois mal toma assento, e
sem dizer palavra nem perguntar se te importa, essa pessoa puxa o iPhone, iPad
ou algo similar, te dá o perfil e as costas, finge ter evaporado e se encapsula
em seu “tuiteio”, em seus SMS, Whatsapp, Skype ou o que seja, podendo não erguer mais os olhos em duas ou três
horas de trajeto.
Devo dizer que até prefiro:
quem passa o dia soltando baboseiras em entrevistas e eventos, a última coisa
que deseja é seguir falando nos tempos mortos ou livres. O que chama a atenção
é que esses encarregados da imprensa, de quem você é hóspede, nem façam menção
de oferecer um mínimo de conversação, nem consultem a tua preferência, nem se
desculpem por seu absoluto desinteresse pelo próximo. Creio que não se dão
conta da descortesia, quer dizer, deve lhes parecer a coisa mais natural do
mundo, darão por certo que todos carregamos iPhones e iPads, e que a todos nos
atrai muito mais trocar mensagens com os ausentes que partilhar com quem está
presente. A verdadeira conversação pertence ao passado, a quem interessar
possa.
Os que não carregamos
aparelhos devemos caminhar pela rua com oito, não apenas quatro olhos. Antes
não era incomum admoestar alguém que se chocasse contigo: “Olha por onde anda”.
Hoje seria improcedente e absurdo, não se espera mesmo que ninguém olhe.
Pessoas demais seguem absortas em suas engenhocas e jamais levantam os olhos.
Ignoram os edifícios, os parques, a inesgotável fauna das cidades, o que
acontece ao redor. Mais ainda, pisam ou derrubam um transeunte, seja um ancião
de bengala e passo frágil, seja uma mulher grávida ou com três crianças. Devo
confessar que tanto me irritam esses zumbis eletrônicos, sem
curiosidade por nada físico, que só desejo – por instantes, pois logo retiro
meu pensamento excessivo – que um ônibus se choque contra eles enquanto babam
em suas telas imbecilizantes.
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