9 de abril de 2013
por José Pedro Antunes
“Com trilha
sonora contemporânea, cinema mudo tem cada vez mais espectadores”, dizia a
manchete da Gazeta Russa em 25/01/2012. Na foto, a silhueta de um violonista se
destaca à frente da tela onde se projeta o filme Luzes da Cidade, de 1931. O
cinema é um dos mais antigos de Moscou, o “Khudojestveni”. O violonista é o
jovem artista russo Arseni Trofim, a executar a trilha que compôs para o grande
clássico de Charles Chaplin.
É um
trabalho que ele e outros artistas desenvolvem em vários pontos do país. Para
que os resultados possam ser compartilhados, músicos de Kemerovo e Tomsk
criaram um festival batizado como “Tapeur” (do francês, em desuso, para se
referir a quem se dedica à sonorização de um filme usando partituras já
existentes). Com o objetivo de atrair o grande público para os filmes clássicos
e experimentais do cinema mudo, Arseni Trofim criou o projeto “Sala Tapeur
Contemporânea”.
Entre nós,
alguns músicos se dedicam a criações semelhantes. O Sesc/Araraquara já promoveu
uma oficina ministrada pelo compositor Lívio Tragtenberg, que resultou numa
apresentação de Limite, de Mário Peixoto – trilha sonora executada com a
participação de músicos locais. Um outro evento trouxe a banda “Frame Circus”,
formada por Tatá Aeroplano (Cérebro Eletrônico, Jumbo Elektro), pelo compositor
de trilhas sonoras Paulo Beto e por Maurício Fleury (Multiplex e Montage).
No Sesc/S.
Carlos, quinta-feira última, para acompanhar Mistérios de uma Barbearia (Karl
Valentin, 1922), o evento “Brecht em Cena” convidou o pianista Tony Berchmanns.
As técnicas, e mesmo alguns macetes surrados, ele comentava depois da exibição,
são em grande parte devedores de Richard Wagner, cujo método, pioneiro, se
adequa às necessidades dos “neotapeurs”. Tivesse alcançado o cinema sonoro, o
compositor certamente teria tido êxito como criador de trilhas para o cinema.
Berchmanns
improvisa grande parte do que executa. Houvesse uma segunda sessão, o resultado
seria outro. Mas próximo. Não há como fugir a convenções de eficácia
comprovada. Como a elementar diferença entre acordes maiores (mais alegres,
festivos), e acordes menores (tristes, depressivos). Ou o uso da dissonância
para suscitar inquietações, gerar expectativas. E, para marcar os saltos da
narrativa, acordes instigantes, bruscamente martelados no piano.
Mesmo tendo
visto o filme antes, o pianista opera como um tradutor, ao perseguir, com
sonoridades, ideias e sentimentos implícitos nas imagens. Mudo ou sonoro, todo
filme pressupõe uma partitura. Muitos dos elementos da composição musical são
os mesmos que norteiam a composição fílmica.
No conceito
de “leitmotiv” (motivo condutor), que vem justamente de Wagner, temos um
substantivo derivado do verbo latino que nos deu “mover” (filme, em inglês, se
diz “movie”), acoplado ao radical do verbo alemão “leiten”, que significa
“conduzir” (também usado no âmbito da música) ou “dirigir” (de amplo uso tanto na
música como no cinema).
Já a caminho
do cinema sonoro, para se distanciar da literatura e do teatro, alguns
cineastas buscaram a proximidade da música. Em 1927, o alemão Walter Ruttmann
rodou Berlim: Sinfonia da Metrópole – um dia na vida da cidade, com o
amanhecer, o dia pleno, o anoitecer e a vida noturna sendo os movimentos de uma
composição de Edmund Meisel.
Foi a matriz
de um gênero, o “filme-sinfonia”, que gerou sucedâneos. Em 1929, surgia São
Paulo: Sinfonia da Metrópole, de Adalberto Kemeny e Rudolf Rex Lustig, dois
jovens de origem húngara, que na época eram donos dos melhores laboratórios do
país. Mostravam uma cidade que deixava de ser mero entreposto comercial para se
tornar o maior centro financeiro do país. Em tempo: o filme alemão foi lançado
em DVD pela Continental, enquanto a película brasileira, além de se oferecer na
net como DVD “raro”, também está disponível no YouTube.
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