sábado, 30 de maio de 2015

Mil novecentos e vinte e oito

6 de janeiro de 2014
por José Pedro Antunes

Três textos em gestação foram atropelados por similares nos últimos dias. Um deles tentando demonstrar que 2013 já pode ser dado como ano findo. Célere, de efeméride em efeméride, de ameaça em ameaça, vai desembocar em luzinhas chinesas, meigos veadinhos de jardim, jingobéis e fogos de artifício, que já estarão a anunciar o etc. etc. etc.

Hoje, 6 de janeiro, um articulista defende que se atribuam aos congestionamentos paulistanos os nomes dos responsáveis pelas obras que lhes deram ensejo. Eu quisera ter sugerido que  lombadas e semáforos passassem a atender pelos nomes dos autores dos projetos.

E um terceiro artigo era para um passeio, à moda do Ruy Castro, pelas enciclopédias virtuais. Sei lá, encasquetei com o ano de 1928, que passei a cantar como tema instigante para um trabalho acadêmico. Não só por pródigo em acontecimentos notáveis, como por ter sido a antevéspera do fim de um mundo até ali conhecido, a 2ª. Guerra Mundial. Pois não é que alguém acaba de fazer o mesmo com o ano de 1913? Justamente o ano que antecedeu a primeira conflagração mundial. 1913 e 1928. Anos de muito, vésperas de nada muito auspicioso.

Vale anotar que 1928 foi um ano bissexto, de 366 dias. Se não anima saber que nascia Idi Amim Dada, alguns julgarão de bom presságio o nascimento de um Andy Warhol. Enquanto o adolescente Rubem Braga escrevia crônicas para o Correio do Sul em Cachoeiro do Itapemirim, Tarsila do Amaral lançava “O Abaporu” e criava, com Oswald de Andrade e Raul Bopp, o Movimento Antropofágico e a Revista de Antropofagia. Nesta, um poema esquisito dizendo que no meio do caminho tinha uma pedra e que tinha uma pedra no meio do caminho.

Ano do Segundo Manifesto do Surrealismo (fim do ciclo das vanguardas históricas?), a dividir espaço com produções de jovens promissores como Fritz Lang, Hitchcock, Jean Epstein, Ernst Lubitsch, Jean Renoir e Erich von Strohheim, chegavam às telas obras-primas como “O homem das novidades” [The Cameraman], de Buster Keaton, “O Circo”, de Charles Chaplin, e “Um cão andaluz”, de Buñuel e Dali.

Recém-chegados ao mundo, Roger Vadim, Maurício do Valle, Jacques Rivette, Sara Montiel, Karlheinz Böhm, Alan J. Pakula, Shirley Temple, Agnès Varda, James Coburn e Ennio Morricone só saberiam bem mais tarde do lançamento de “Outubro”, de Serguei Eisenstein, do Oscar para “Wings”, da aparição de Mickey Mouse (“Steamboat Willie”), da travessia do Atlântico por Amelia Earheart, da chegada dos primeiros filmes sonoros e da criação do primeiro serviço analógico de tevê nos EUA.

Foi o ano do nascimento de Gabriel Garcia Marquez, Che Guevara e Noam Chomsky, como foi o ano do poema “A Tabacaria” (Fernando Pessoa), dos romances “Nadja” (Breton) e “A Bagaceira” (José Américo de Almeida), do “Martim Cererê” (Cassiano Ricardo), da “Ópera de 3 Vinténs” (Brecht e Kurt Weill) e de “Rua de Mão Única” (Walter Benjamin).

Se o Nobel de Literatura foi para Sigrid Undset (África do Sul), o da Paz não foi atribuído, e um certo Adolf Hitler readquiria o direito de falar em público perdido em 1924. Fundavam-se a Opus Dei e a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Terão celebrado a descoberta da Penicilina? Enquanto Benny Goodman gravava, nos EUA, seu primeiro disco (“Wolwerine blues”), aqui vinham ao mundo Miltinho, Francisco Carlos, Noite Ilustrada, Ângela Maria, Canhoto da Paraíba, Ivon Curi e Luís Vieira.

Mas não se inquiete o leitor araraquarense: Claro, foi o ano do “Macunaíma”! Mas também da “Morfologia do Conto Maravilhoso”, de Vladimir Propp. E por falar em coincidências, enquanto eu repassava os jornais e repensava os meus temas, reparei que a decoração do Café da Copenhague (Shopping Jaraguá) ostenta um:  “Desde 1928”. Que me recordou ter visto,  há tempos, no caminhãozinho do nosso Mazzaropi, o da borracharia, uma placa informando o ano de fabricação: 1928.






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