31 de julho de 2012
Katja Nicodemus, conhecida
por seu trabalho como crítica de cinema, atua tanto na imprensa escrita como
nos meios audiovisuais, tendo já entrevistado Woody Allen em inúmeras ocasiões.
Na mais recente delas, realizada para o Die Zeit Online, o tema foi a
influência da obra do diretor sueco Ingmar Bergman sobre a visão de mundo e de
cinema do cineasta americano. Tradução.: Zé Pedro Antunes.
Ao final de Manhattan, o
herói, que você mesmo representa, esboça uma pequena lista das coisas que fazem
com que a vida seja bela apesar de tudo. Depois de mencionar Groucho Marx, a
segunda frase da Sinfonia 41 C (Júpiter), de Mozart, Marlon Brando, as maçãs e
peras de Cézanne, ele exclama: “Ah, e filmes suecos, naturalmente!”
Naturalmente! O que, para mim,
era o mesmo que Bergman – ele era, por
assim dizer, o cinema sueco.
Qual foi, para você, o
primeiro Bergman?
Noites de Circo, de 1953.
Trata de um diretor de circo que, tendo abandonado a mulher e os filhos, depois
de muitos anos pensa em voltar. Ainda me lembro, exatamente, do estado em que
saí do cinema: abalado e o mais profundamente impressionado.
O que mais admira em Bergman?
É ele conseguir direcionar a
câmera para um rosto e deixá-la rodar. Deixava que ela seguisse à solta,
alcançando assim um efeito enorme. Nada a ver com o que se aprende nas escolas de
cinema. E não importa de quais assuntos ele tenha tratado: todos os temas por
ele abordados parecem me atingir diretamente. O que eu mais admiro é sua arte
de dramatizar tais temas e narrá-los de modo absolutamente entretenedor.
Será “entretenedor” a palavra
correta?
Em todo e qualquer caso. Para
entreter, um filme não tem que ser divertido. Os filmes de Bergman são o oposto
cabal do tédio. Portanto, entretenedores. No melhor sentido da palavra.
Qual é o teu Bergman
preferido?
São três filmes que nunca
mais me abandonaram: Morangos Silvestres, O Rosto e O Sétimo Selo, sendo este
último o meu Bergman preferido. Sempre revi todos os filmes dele, e há
naturalmente dúzias de cenas grandiosas. Mas a mais impressionante é a cena
final de O Sétimo Selo: a dança da morte sobre a colina no horizonte. Ao ver Morangos
Silvestres, O Sétimo Selo e O Rosto, a gente compreende que nunca mais haverá,
na história do cinema, uma tal junção de intelectualidade superior e maestria
técnica.
Chegou a estar com Bergman?
Uma vez, em Nova Iorque, num
encontro acertado pela Liv Ullmann. Jantamos na suíte dele. E ele não era o
gênio sombrio que eu esperava. Era uma pessoa bem normal, que falava de
mulheres e de resultados esportivos. Bem depois, ele chegou a me ligar da ilha
em que decidiu viver isolado. E me contava do que tinha sonhado. De sonhos que tinham
a ver com o medo de falhar no set de filmagem: algo assim como chegar ao set e,
de repente, não saber mais onde posicionar a câmera. Era isso que ele sonhava
depois de quinze a vinte obras-primas!
Em Stardust Memories, há uma
cena que ficou famosa como perfect moment: nela se vê Charlotte Rampling, num
dia de verão, a folhear os jornais, com a música de Louis Armstrong a ocupar o
espaço sonoro. Haveria, para você, um perfect moment em Ingmar Bergman?
O fato é que esses momentos,
às vezes, são da maior banalidade. Eles se tornam perfeitos apenas porque te ocorrem
num certo instante. Como certa vez, ao sair de casa, eu me recordava de um dia
em que queria ir ao cinema, e de repente vi esvoaçarem sobre Nova Iorque os
primeiros flocos de neve daquele inverno. Em Bergman, há um momento em que
alguém simplesmente se acha por ali sentado, comendo morangos silvestres,
enquanto uma criança brinca. É isso que eles são, esses momentos: epifanias.
Momentos que são ao mesmo tempo tão comuns e tão extraordinários.
foto: Woody Allen e Mariel Hemingway em Manhattan (1979).
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