domingo, 31 de maio de 2015

Pelo direito de mentir

13 de janeiro de 2014

[Na íntegra, o manifesto “Escritores contra a vigilância massiva” (Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10/12/2013), seguido de uma breve declaração do escritor Javier Marías como signatário entre 562 escritores e intelectuais de 82 países. Tradução: Zé Pedro Antunes.]

Escritores contra a vigilância massiva

Nos últimos meses, o alcance da vigilancia massiva virou fato bastante conhecido. Com uns quantos cliques no mouse, o Estado pode acessar nossos dispositivos móveis, correio eletrônico, redes sociais e buscas na internet; seguir a pista de nossas inclinações e atividades políticas; e, em colaboração com as provedoras, reunir e armazenar todos os nossos dados, antecipar pretensões de consumo e comportamentos.

O pilar básico da democracia é a integridade inviolável do indivíduo. A integridade humana não se limita ao corpo como um ente físico. Todos os seres humanos têm o direito de não ser observados nem perturbados em seus pensamentos, entornos pessoais e comunicações.

Este direito humano fundamental ficou anulado e esvaziado pelo mau uso dos avanços tecnológicos por parte de Estados e empresas que levam a cabo programas massivos de vigilância.      

Uma pessoa vigiada deixa de ser livre; uma sociedade vigiada deixa de ser uma democracia. Se queremos que nossos direitos democráticos sigam valendo, é necessário que eles sejam respeitados, para além do espaço físico, no espaço virtual.

— A vigilância viola a esfera privada e põe em perigo a liberdade de pensamento e de opinião.

— A vigilância massiva trata todos os cidadãos como possíveis suspeitos. Anula um de nossos trunfos históricos, a presunção de inocência.

— A vigilância torna transparente o indivíduo, enquanto Estado e empresas atuam em segredo. Como vimos, este é um poder do qual se abusa sistematicamente.

— A vigilância é um roubo. Esses dados não são propriedade pública; eles nos pertencem. Quando utilizados para prever nosso comportamento, algo mais estão nos roubando: o princípio do livre arbítrio, parte essencial da liberdade democrática.

Exigimos o direito de que cada cidadão decida quais de seus dados pessoais podem – na falta de um procedimento legítimo – ser reunidos, armazenados e processados, e quem pode fazê-lo; que possa se informar sobre onde se armazenam e como se empregam seus dados; conseguir que se apaguem seus dados obtidos e armazenados ilegalmente.

Exigimos que todos os Estados e empresas respeiten estes direitos. Conclamamos todos os cidadãos a que se levantem para defender estes direitos. Fazemos um apelo à ONU para que reconheça a vital importância que tem a proteção dos direitos civis na era digital e crie uma Carta Internacional de Direitos Digitais. Fazemos um apelo aos Governos para que adiram a esse acordo.

Ninguém tem o direito de saber onde estou
Javier Marías

“Não uso computador, uso máquina de escrever. Ninguém deve saber de minhas buscas e interesses. Razão pela qual para tudo isso continuo a usar livros. Não tenho endereço de e-mail, não quero que invadam minha correspondência, menos ainda a polícia ou o governo. Não que tenha algo a esconder. É exclusivamente uma questão de princípio. Liberdade individual não pode haver quando se é espionado, sempre que as autoridades querem e podem rastrear o que se diz ou escreve. Celular só uso em viagens.

Uma vez fui de carro de Amsterdã a Bruxelas. Antes de saber que chegara à Bélgica, meu aparelho recebia a mensagem: “Bem-vindo à Bélgica”. Ninguém tem o direito de saber onde estou antes de eu vir a sabê-lo.  Por isso assinei o manifesto, e não uso nada que contra mim possa se voltar. Não por temer que minhas ações ou movimentos sejam do interesse de alguém, não sofro de delírios persecutórios. Repito, é uma questão de princípio. Precisamos defender o direito de mentir, porque a mentira tem sido, até aqui, um dos poucos refúgios para a liberdade individual.”



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