sábado, 1 de agosto de 2015

O fim de uma era

27 de julho de 2015
por José Pedro Antunes


Na tradução que nos chega – e a Folha de São Paulo não dá créditos ao tradutor –, até que não soa mal a solução encontrada para o título: “O dia em que o sistema solar acabou”. No original, publicado no The New York Times pelo físico e jornalista Americano Dennis Overbye, se lê: “Reaching Pluto, and the End of an Era of Planetary Exploration.”

O autor começa por relembrar sua infância. Antes de sonhar outros sonhos impossíveis, quis ser caubói, cavalgar pelos morros do Oeste, imaginando atrás de cada morro outros tantos morros carregados de mistérios. Ao longo da vida, ele prossegue, “os morros que nos atraíram foram os outros mundos. Nossos cavalos são robôs com nomes como Mariner, Viking, Voyager.”

E nisso já nos enredamos em aventuras das quais ele se diz caroneiro: “sondas como a Dawn, agora a orbitar o planeta-anão Ceres, e a Rosetta, a orbitar o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko”. Num texto que começa fazendo referência aos faroestes das matinês da infância, o cinema comparece ainda nas palavras de Alan Stern, chefe da missão que acaba de alcançar Plutão, pondo fim a uma era da exploração planetária: “[foi] a última sessão de cinema”. Já as naves “seguirão para o elenco de coadjuvantes do sistema solar que, como em muitos filmes bem bolados, podem revelar-se ótimos personagens”.

Chegamos então à metade do texto. E peço que o leitor me siga na tentativa de entender o parágrafo que diz: “É difícil escrever estas palavras. Como serão entendidas daqui ‘a’ 50 anos?” Até aqui, tudo bem. Só fiz acrescentar esse ‘a’, que até o corretor do Word, acertadamente, estava a exigir. Mas vamos em frente: “Eu nunca sonhei, quando astronautas deixaram a Lua em 1972, que poderia chegar um dia em que ninguém vivo tivesse pisado no satélite natural. Pode acontecer. Não é de doer o coração?” Imagino que também o leitor terá ficado confuso.

Comungará o autor da teoria conspiratória de que a conquista da lua não passou de uma armação hollywoodiana? (Recentemente, vi um documentário que faz de “O Iluminado” o mea culpa de Stanley Kubrick por ter participado do embuste.) Seria, pois, “de doer o coração”, se finalmente fosse desmascarada a farsa com a qual os americanos derrotaram os russos naquele que era, então, o ponto de chegada da corrida espacial, digo, da Guerra Fria? Farsa que, diga-se, acompanhamos todos com o terço na mão, para não dizer outra coisa, temendo que lá pudesse estar São Jorge, lança em riste, ou algumas verdolengas criaturas, antenas empinadas, com caras de poucos amigos.

Tratei de ir à fonte: “I never dreamed, when Apollo astronauts left the moon in 1972, that there might come a day when there was nobody still alive who had been to the moon. But now it seems that could come to pass.” Para chegar ao seguinte resultado: “Eu nunca sonhei, quando os astronautas da Apollo deixaram a lua em 1972, que pudesse chegar o dia em que ninguém mais que tenha ido à lua ainda estivesse vivo. Mas agora parece que poderia vir a acontecer.”

Portanto, o articulista lamenta que os vôos tripulados possam ter entrado, mais do que para a história, para o domínio da lenda – e do cinema. Hoje são robôs a percorrer o espaço, tendo chegado, enfim, ao limite do sistema solar. Nas palavras de Dennis Overbye: “O estoque de planetas maiores – Plutão entre eles ou não – acabou. A fase de fugir do berço e olhar ao redor terminou.”

E ainda cabe colocar em dúvida a momentosa solução encontrada para o título na publicação brasileira. Carece de lógica dizer que, com a chegada de um robô a seus confins, o sistema solar tenha acabado. Ou estaríamos diante de um ato falho? Expressão da ideologia da terra arrasada, que parece nortear a maior parte das intervenções do ser humano neste grão de areia cósmica sobre o qual se dá sua precária existência?

imagem: Elwood Smith


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