quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Dublagem? Sei lá!

12 de agosto de 2015
por José Pedro Antunes

Sob o verbete “Dublagem” (Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 10/08), uma leitora tecia comentário sobre a matéria “6 em 10 brasileiros preferem dublagem” (Ilustrada, 08/08). “A preferência por filmes dublados é só mais uma evidência da dificuldade do brasileiro com a leitura”, ela dizia, fazendo-me recordar uma fala do cineasta Anselmo Duarte em evento que tive a oportunidade de mediar no SESC/Araraquara: “Brasileiro não sabe ver filmes; brasileiro sabe ler legendas.”

Mas a palavra ‘leitura’ se aplica também às imagens. A partir do final dos anos 1960, quando cheguei à Universidade, virou moda a “leitura” de tudo e mais um pouco. No geral, consistia em projetar sobre artefatos não verbais (pintura, arquitetura, fotografia, cinema, tevê, moda etc.) as ferramentas da Linguística, portanto, aquelas com que se fazia a leitura do que é feito só com as palavras. Um problemaço. A essa vertente se deu o nome de Estruturalismo, que, diga-se, ainda teima em fazer a cabeça daqueles que, engenhocas eletrônicas em punho, aos bandos hoje se aventuram pelo mundo das letras. Sem o letramento, claro.

Cabe perguntar se, de fato, sabem ler as imagens. Ou se fazem sobre elas a projeção estruturalista acima referida. Ou talvez nem isso. Alguém já chegou a levantar uma hipótese: a inaptidão para a leitura (ampla, geral e irrestrita) estaria a promover o caos até mesmo no trânsito de veículos. As pessoas já não conseguem ler os sinais, não os entendem. Ou carecem de concentração para proceder à leitura e perceber os entornos. E, sabemos, o mesmo vale para o trânsito de pedestres. Impossibilidade sintática. Trombamo-nos.

Prosseguindo em seu desabafo, a leitora sapeca: “Dublagem é artificial, às vezes desconectada da cena, horrível!” Nada científica, não é mesmo? Fala da dublagem atualmente feita no país. Aventa um problema técnico para o qual se poderá encontrar solução técnica à medida que a dublagem se impuser como norma. E a leitora parece pressupor que a legendagem tem feito por merecer a nossa inteira confiança.

Ao dizer que a dublagem “impede a pessoa fluente na língua original de perceber incoerências na versão para o português”, ela dificilmente escapará à pecha de elitista. Quantos afinal podem se dar ao luxo? Sei que, com dublagem e tudo, o meu amigo Josaphat, cantor da noite aqui em Araraquara, chegou a montar um número impagável. Alguém pergunta, ele contava: “Por que você está tão gay?”, quando na verdade se trata da felicidade que o interlocutor, no caso, deixa transparecer.

E a leitora radicaliza: “Se for condenada a ver filmes dublados, deixo de ir ao cinema.” Pois eu já deixei de ir por razões outras. Primeiro que não consigo me concentrar se houver gente telefonando, conversando, mastigando etc. Depois, ver os filmes que os cinemas atualmente estão a exibir, digamos que a minha religião não me permite. Além do mais, não me agrada participar de unanimidades tão deslavadas. Não pode ser que todo mundo queira ver só o que todo mundo quer ver. Eu, hein!

Mas não deixo de ponderar comigo mesmo que a necessidade da legenda talvez se deva à força do hábito. Quando vejo filmes brasileiros, por exemplo, apelo para uma das legendas disponíveis, o mais das vezes inglês ou espanhol, visando a evitar o desconforto auditivo e cognitivo que na certa virá. Outro dia tentei ver, na tevê, “Os Cafajestes” do Ruy Guerra. Sim, trabalho de luto pelo desaparecimento de Norma Bengell, primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Sem opção de legenda, tive de me haver só com as imagens, belíssimas em todo caso, sem conseguir adivinhar palavra do que diziam os protagonistas.


Nos meus seis anos de Alemanha, passei a achar perfeitamente normal e aceitável que os filmes fossem todos dublados. E nunca ouvi ninguém reclamar, colocar em questão, botar reparo. Em Munique, só um cinema exibia os filmes no original. Nele era possível ouvir, por exemplo, a indublável voz do Woody Allen, que em qualquer outro idioma, convenhamos, jamais teria a mesma graça. E aqui começo a dar razão à leitora que abomina a dublagem? Sei lá! 




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