12 de agosto de 2015
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Sob o
verbete “Dublagem” (Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 10/08), uma leitora
tecia comentário sobre a matéria “6 em 10 brasileiros preferem dublagem”
(Ilustrada, 08/08). “A preferência por filmes dublados é só mais uma evidência
da dificuldade do brasileiro com a leitura”, ela dizia, fazendo-me recordar uma
fala do cineasta Anselmo Duarte em evento que tive a oportunidade de mediar no
SESC/Araraquara: “Brasileiro não sabe ver filmes; brasileiro sabe ler
legendas.”
Mas a
palavra ‘leitura’ se aplica também às imagens. A partir do final dos anos 1960,
quando cheguei à Universidade, virou moda a “leitura” de tudo e mais um pouco.
No geral, consistia em projetar sobre artefatos não verbais (pintura,
arquitetura, fotografia, cinema, tevê, moda etc.) as ferramentas da
Linguística, portanto, aquelas com que se fazia a leitura do que é feito só com
as palavras. Um problemaço. A essa vertente se deu o nome de Estruturalismo, que,
diga-se, ainda teima em fazer a cabeça daqueles que, engenhocas eletrônicas em
punho, aos bandos hoje se aventuram pelo mundo das letras. Sem o letramento,
claro.
Cabe
perguntar se, de fato, sabem ler as imagens. Ou se fazem sobre elas a projeção
estruturalista acima referida. Ou talvez nem isso. Alguém já chegou a levantar
uma hipótese: a inaptidão para a leitura (ampla, geral e irrestrita) estaria a
promover o caos até mesmo no trânsito de veículos. As pessoas já não conseguem
ler os sinais, não os entendem. Ou carecem de concentração para proceder à
leitura e perceber os entornos. E, sabemos, o mesmo vale para o trânsito de
pedestres. Impossibilidade sintática. Trombamo-nos.
Prosseguindo
em seu desabafo, a leitora sapeca: “Dublagem é artificial, às vezes
desconectada da cena, horrível!” Nada científica, não é mesmo? Fala da dublagem
atualmente feita no país. Aventa um problema técnico para o qual se poderá
encontrar solução técnica à medida que a dublagem se impuser como norma. E a
leitora parece pressupor que a legendagem tem feito por merecer a nossa inteira
confiança.
Ao dizer que
a dublagem “impede a pessoa fluente na língua original de perceber incoerências
na versão para o português”, ela dificilmente escapará à pecha de elitista.
Quantos afinal podem se dar ao luxo? Sei que, com dublagem e tudo, o meu amigo
Josaphat, cantor da noite aqui em Araraquara, chegou a montar um número
impagável. Alguém pergunta, ele contava: “Por que você está tão gay?”, quando
na verdade se trata da felicidade que o interlocutor, no caso, deixa
transparecer.
E a leitora
radicaliza: “Se for condenada a ver filmes dublados, deixo de ir ao cinema.”
Pois eu já deixei de ir por razões outras. Primeiro que não consigo me
concentrar se houver gente telefonando, conversando, mastigando etc. Depois,
ver os filmes que os cinemas atualmente estão a exibir, digamos que a minha
religião não me permite. Além do mais, não me agrada participar de unanimidades
tão deslavadas. Não pode ser que todo mundo queira ver só o que todo mundo quer
ver. Eu, hein!
Mas não
deixo de ponderar comigo mesmo que a necessidade da legenda talvez se deva à
força do hábito. Quando vejo filmes brasileiros, por exemplo, apelo para uma
das legendas disponíveis, o mais das vezes inglês ou espanhol, visando a evitar
o desconforto auditivo e cognitivo que na certa virá. Outro dia tentei ver, na
tevê, “Os Cafajestes” do Ruy Guerra. Sim, trabalho de luto pelo desaparecimento
de Norma Bengell, primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Sem opção de
legenda, tive de me haver só com as imagens, belíssimas em todo caso, sem
conseguir adivinhar palavra do que diziam os protagonistas.
Nos meus
seis anos de Alemanha, passei a achar perfeitamente normal e aceitável que os
filmes fossem todos dublados. E nunca ouvi ninguém reclamar, colocar em
questão, botar reparo. Em Munique, só um cinema exibia os filmes no original.
Nele era possível ouvir, por exemplo, a indublável voz do Woody Allen, que em
qualquer outro idioma, convenhamos, jamais teria a mesma graça. E aqui começo a
dar razão à leitora que abomina a dublagem? Sei lá!
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