segunda-feira, 20 de julho de 2015

Atônitos átimos de instantes

14 de junho de 2015
por José Pedro Antunes

Atônitos, seguimos lidando com o tempo. Há quem opine que ele, hoje, transcorre muito mais rápido do que nunca antes neste nosso planetinha em trânsito. Leio que já lá se vão dez anos da denúncia do mensalão por um representante do povo que às vezes também soltava uns trinados líricos. Alguns dos denunciados, sabe-se, na prisão se repaginaram, se descobriram poetas, o que não os impede de eventualmente, sem perda alguma para a poesia, retornar à política. Mas, por falar em lirismo brasuca, o Mário Martinez me contou que o Caetano Veloso andava ensaiando uma das “Bachianas Brasileiras” do Villa-Lobos, a que conhecemos de “Terra em Transe” e do enterro do Glauber Rocha, na voz de Maria Lucia Godói. Há tempos houve na cidade uma exposição chamada “Ba(c)hianas Brasileiras”, com quadros que retratavam mulheres da terra da felicidade como o cantor.

Pois a turnê europeia dos corifeus do Tropicalismo está para começar. Quando nos dermos conta, por alguma matéria solta na imprensa minguante destes nossos atônitos átimos de instantes, já terá terminado. E sem deixar de passar por Israel, apesar dos quereres dos defensores da Causa Palestina. Entre eles, aquele ex-vocalista da banda com a vaca na capa do disco, que eu jamais imaginei engajado, menos ainda o fã dos tropicalistas que hoje diz ser.

Aliás, a turnê de ganhou nome extenso, como nunca antes na carreira que ora festejam, bem longe daquelas denominações tiradas do “baú de brasilidades” que os brasileiros, quando no exterior... Bem, vocês viram o que aconteceu com o sobrinho do Tim Maia, não é? Equação: 50 mais 50 dão “um século de música”. Ou: todos os tons de agora é cinza no colorido tropicalista. É assim que Caetano e Gil invadem as principais cidades do velho continente.

Em Loki, um dos tropicalistas da primeira hora (talvez já fosse isso mesmo antes da primeira hora) se dizia surpreso ao ser reconhecido nas ruas de Londres. Já em The Love We Make, aquele beatle que diziam que já tinha morrido não se amofina nem um pouco com o assédio de beatlemaníacos remanescentes e/ou recentemente assumidos.

O DVD Abraçaço já estava aqui me desafiando sobre a mesa da sala há semanas, mas por alguma razão eu hesitava em encará-lo. Até gostei muito, quando do lançamento, de poder ouvir sem parar os “thelonius monk’s blues” da safra mais recente, sobretudo por não ter dado com nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.

Mas eu temia talvez não reconhecer o que havia debaixo das comportadas cãs de um apenas raro em raro rebolante senhorzinho acompanhado por três garotos musicalíssimos, antenadíssimos tanto no que se faz no mundo, como na agora chamada “música (im)popular brasileira”. O fato é que eles lançam mão de um baú de universalidades, espécie de caixa preta para ser aberta num futuro que já ninguém sabe se teremos.

Comentando com um amigo, baterista, metade da minha idade, ele até se aprumou na cadeira para um desabafo geracional: “Não sei como alguém consegue ver um show do Caetano Veloso.” Pensei em argumentar que o bardo baiano é dos poucos que ainda mantém o viço, e sem os vícios de antes, e que vai se safando agora que o rock já nem é mais atitude. Que isso que ele está fazendo é bem mais do que Robert Zimmermann vem perpetrando atualmente em sua norteamericana saga.

Coincidentemente, no domingo um crítico comentava, em tom elogioso, a temporada de Abraçaço numa choperia em Sampa. Na segunda, o outro grande jornal falava do derradeiro amplexaço, verdadeiro paradoxo ao ar livre: um show intimista para onze mil pessoas com suas engenhocas eletrônicas em riste, número surpreendente para estes nossos tempos de plateias minguantes.

Uma noite dessas, caminhando pelo centro, comecei a  ver pessoas em trajes bem ‘an(p)tigos’, espécie de ‘hindumentária’ momentosamente arrancada de um baú improvável. Perguntei à garota que me servia na Esquina Árabe se já era a Virada Cultural. Comanda na mão, ela me respondeu distraída: “Ué, esqueceu que tem show do Alceu Valença no Sesc?!”


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