30 de abril de 2015
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Em “Um filme falado”, do
recém-falecido cineasta português Manoel de Oliveira, mãe (professora de
História) e filha perfazem um cruzeiro pelo Mediterrâneo, em cujo ponto final
vão reencontrar, respectivamente, o esposo e o pai, que delas se distanciara
por motivos de trabalho. Numa das cidades visitadas, depois de extensa preleção
sobre a Idade Média, e tendo comparado rápida e mentalmente as características
daquele período com o que já sabe do seu próprio tempo, a menina pergunta:
“Mamãe, em que Idade Média estamos agora?”
Longe vão os tempos em que o
verbete do ‘pós-modernismo’ provocava frisson, de tão intenso calor para tão
escassa luminosidade, a ponto de o poeta Augusto de Campos condensar o seu e o
nosso incômodo num poema intitulado “Pós-tudo”. Ao trocar o acento agudo por um
circunflexo, o articulista José Simão faria por transcriá-lo para uso e abuso
de seus leitores.
O fato é que, com o uso do
verbete e de suas variantes, em mais de três décadas se produziu um pântano de
salivação considerável sobre uma questão ainda sem resposta: Que época é esta
que nós estamos vivendo? Cada qual a seu tempo, dois luminares
latinoamericanos, o poeta mexicano Octavio Paz e o ensaísta brasileiro Antonio
Candido, defenderam ser o pós-modernismo a última etapa do romantismo. Tese
evidentemente implícita no hit do Lulu Santos, que não deixa de externar sua
dúvida: “Talvez eu seja o último romântico”.
Mas permita-me o leitor um
olhar retrospectivo para o meu próprio percurso de estudioso da literatura, que
se deu, em boa parte, sob a égide do debate acima tangenciado. Num curso de
pós-graduação que frequentei na Unesp de Rio Preto, e eu tinha como companheiro
de viagem e colega de classe o Marcos Murad, coube-me apresentar um seminário
sobre o romance “Angústia”, de Graciliano Ramos. A título de curiosidade,
mencionei que, já nos anos 1950, o crítico Wilson Martins dizia ser o autor em
apreço um dos nossos ‘pós-modernistas’. Para além da surpresa com ocorrência
tão precoce do momentoso termo, quis ressaltar-lhe a intenção meramente
cronológica de assim classificar os autores que vieram depois do nosso
verde-amarelo modernismo.
No seminário seguinte, uma
colega já se respaldava nesse meu comentário, pontual, para cotejar duas obras
fundamentais do “pós-modernismo”: “Vidas Secas”, de Graciliano, e o filme
“Paris, Texas”, de Wim Wenders. Sim, o cotejo se justificava já nos títulos das
obras, que consistiam de palavras justapostas com terminações idênticas:
“Vidasss Secasss’ / ‘Parisss, Texasss’. A sala certamente tremeu sob o
sibilante impacto do achado.
Nos anos que se seguiram,
tratei de divulgar esse momento marcante dos estudos literários por estas
bandas, sem suspeitar que um dos ouvintes pudesse vir a fazê-lo com arma ainda
mais eficaz e absolutamente contemporânea. Um dia, dou com um grafite no muro
do quintal da casa da Jane e do Bruno Moraes, na Vila Xavier. Tendo-o visto
primeiro de fianco, achei, ideia pouco provável, que se tratasse de Nossa
Senhora Aparecida. De frente, vi que me equivocara: era a reprodução do
fotograma icônico do filme de Wim Wenders, com o protagonista, Travis (Harry
Dean Stanton), caminhando por uma linha férrea, vindo na direção do observador.
No alto, a legenda: “Vidas, Secas”.
Bem mais adiante, o Brunão me
contou que um seu amigo decidira difundir a obra em alguns pontos da cidade. E
foi no domingo último que eu me deparei com a materialização daquela nossa private
joke. No muro de uma das casas que ficam defronte ao Bar do Zinho, portanto,
dirigida em primeira linha ao público que frequenta aquele prestigioso point.
Público que agora, se até ele chegar este meu comentário, terá a oportunidade
de compreender a gênese e o real sentido dessa pós-moderníssima conjugação de
referências.
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