5 de abril de 2015
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Vi Nana Caymmi ao vivo
algumas vezes no início dos anos oitenta. Num quase ostracismo, pérolas aos
poucos, entre os quais eu me alinhava onde quer que ela se apresentasse. Ao
retornar da Europa, em 1981, constatei que, lamentavelmente, algo que nos
distinguia, uma música popular de espantosa qualidade musical e literária,
entrara em declínio, começava a se parecer com o padrão que infestava o
show-business internacional.
Como todas as divas, afirma
Gilberto Gil, Nana sempre foi muito “seletiva”, gostava do que gostava, nunca
precisou “cortejar” outros tipos de música. Fazendo parte da tribo dos baianos,
a partir de “Saveiros”, vivendo com Gil, Nana diz não ter gastado nem dois
minutos com a Tropicália, não entendeu, não via a graça naquilo.
Afora as imagens de sua
aparição num Festival da Record cantando “Bom Dia”, parceiro Gil ao violão e
arranjo de Rogério Duprat, eu só conhecia o registro de sua participação no DVD
“Brasileirinho” de Maria Bethânia. Volto a vê-la agora no DVD “Rio Sonata”
(Quitanda, 2013), documentário a ela dedicado pelo franco-suíço Georges Gachot
(o mesmo de “Música é Perfume”, sobre Bethânia).
Eu nunca associara Nana tão
fortemente ao Rio de Janeiro como nos mostra o cineasta. E o faz com com
extrema sensibilidade, sem obviedades, escolhendo ângulos pouco explorados da
cidade, privilegiando momentos de névoa, sombra, escuridão, o anoitecer, o
trânsito, pessoas silenciosas na praia ante o pôr-de-sol, garotos jogando
pelada, populares opinando sobre a cantora, vendedores de discos usados
lembrando suas canções.
[“Nana dizendo, numa cena do
filme de Gachot ‘Eu me adoro cantando!’... ela o faz em sintonia conosco, com
os ouvintes imediatamente apaixonados pelo seu canto, em sincronia com o
crescendo do nosso deslumbramento.” (Caetano Veloso, no encarte do DVD)]
Direta, engraçada, debochada
e desbocada, Nana fala de tudo e de todos e de si mesma sem rodeios nem
reverências. Tanto lamenta a velhice e seus achaques, ela que para levantar da
cama diz estalar inteira, como deplora algumas escolhas do seu repertório. Diz
que gravar é ótimo, mas depois não sabe o que fazer com certas canções, “Ponta
de Areia” sendo uma delas. Sobre o sucesso nacional, tardio, dela e da canção
“Resposta ao Tempo” (anos depois de gravada virou tema de “novela da Globo”):
“Vá entender a cabeça desse povo”.
Começou a cantar aos dois
anos de idade. E foi “Waltz of the flowers” de Tchaikovski. “Um terapeuta, um
analista teria dito essa menina é louca, tem que internar”. Mesmo adorando
música popular, sua paixão sempre foi o canto clássico. Estudou piano com Dona
Nise Obino, a mesma professora de Nelson Freire. Muitas vezes, ela e Dori de
saída, chegava o “Nelsinho”. Tinham vontade de ficar escondidos ouvindo aquele
espanto. Ela e Dori também eram bons, pondera, para a medida da idade, 11 e 13
anos. Mas Nelsinho era o gênio que continua até hoje encantando o mundo.
É com “Dorivalzinho” que ela
diz ter melhor se havido ao longo da vida e da carreira. Para interpretar
“Saveiros”, o letrista Nelson Motta queria Elis, mas Dori disse que essa era
para Nana. Só lamenta ter posto numa tonalidade tão alta, podia ter baixado
pelo menos um tom e meio, ficaria mais confortável. E talvez não tivesse tido o
mesmo impacto.
Aos 70 anos, carreira sem
concessões e uma vida rodeada de “tanta coisa bonita”, Nana diz que “Acalanto”,
que o pai compôs para niná-la, já lhe teria bastado para viver. Ela que, quis o
ouvido do pai, no colo já ditara o próprio nome: Nana. “Ni na na na /
nananinaná”, nasciam os compassos iniciais de uma obra-prima. Com ela termina o
documentário, com o estribilho que Dorival aprendera de sua mãe: “Boi, boi, boi
/ Boi da cara preta / Pega esta menina / Que tem medo de careta”.
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