15 de abril de 2014
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Ninguém haverá de discordar:
o título é um achado. Adianto: não é da minha lavra. E nem pretendo me
aventurar pelas searas da ficção-científica, hoje cada vez mais assoladas pelos
ventos do pós-qualquer-coisa. Num congresso que tinha por tema “desafios na era
digital”, um dos convidados discorreu sobre as possibilidades do gênero. No
exemplo de duas produções cinematográficas: “Blade Runner” e “2001 – Uma
Odisséia no Espaço”. Era o ano da graça de 2010.
Microfone franqueado ao
público, alguém quis saber se não era auspicioso que as piores distopias desses
e tantos outros filmes e livros não se tenham, afinal, realizado. E algumas
delas literalmente datadas, como o romance de Orwell (“1984”) ou o filme de
Stanley Kubrick. E fato é que seguimos vivendo nossas vidinhas mais ou menos.
Nenhum sinal de que daremos algum salto inesperado rumo a futuros talmente
espetaculares.
Sobre “Blade Runner”, alguém
comentava ser aquele, hoje, praticamente o cenário das nossas grandes cidades:
caos generalizado, cracolândias, edifícios e monumentos pichados, vandalismo,
depredações, truculência, corpos tatuados, faltando só mesmo uma chuvinha ácida
impenitente. E néon, muito néon para dar aquele clima. Em São Paulo,
hiperativistas chiam contra a recém-instalada iluminação LED, por nociva aos
pássaros, ao extinguir o breu da noite e instaurar um dia claro perene e
insuportável.
Por estas nossas paragens, a
profusão de semáforos e um que outro telão podem até semicegar o motorista em
alguns pontos. Com chuva, os reflexos no asfalto até produzem efeitos
especialíssimos. Senão, tudo na mais perfeita e sabida ausência de ordem,
emoldurada pelos desatinos de quem deveria ter tino e pelo insondável tom blasé
com que os sem-noção, rosto iluminado por geringonças tecnológicas, acharam de
enfrentar este mundo pós-pós. Ah, esse ensimesmamento que se compraz em se ver
para sempre enredado em variações sobre um tema não dado. E que se reproduz
on-line ad infinitum.
Mas o leitor já estará a se
perguntar o porquê do título lá no alto. Pois um dos nossos raros (e ralos)
cadernos culturais noticiava, no domingo, o relançamento do livro que deu
origem a “Blade Runner”. E os editores houveram por bem restaurar o título
original (e originalíssimo!). Qual seja,
a pergunta, aquela, no início destas maltraçadas: “Androides sonham com ovelhas
elétricas?”
Quem já tem idade, se
recordará de uma outra que outrora abalou a humanidade: “Eram os deuses
astronautas?” feita pelo suíço Erik (Anton Peter) von Däniken. Eu mesmo prefiro
perguntas instigantes como as que costumava fazer Marcel Duchamp. Uma delas:
“Pode alguém fazer uma obra que não seja de arte?” Que ele passou a vida a
responder, expondo objetos produzidos em série: uma pá de limpar a neve nas
ruas, um urinol, uma roda de bicicleta, a Mona Lisa de bigode, entre outros.
Mas pergunta nenhuma superará
aquela que nos pegou de surpresa no vestibular para o Curso de Filosofia em
Sorocaba. E que virou piada por conta do cacófato: “O que há com o ser do
ente?” Por falar em doente, o filósofo Wittgenstein foi quem mais decididamente
cuidou de botar freios à metafísica, propondo uma “terapia da linguagem”. Nada
mau para um mundo que tendia a obnubilar as mentes com tantos engodos, enquanto
o pau prometia comer século XX adentro e século XXI afora. A propósito, consta
que o pensador austríaco era fã incondicional da (nem tão nossa) Carmen
Miranda. Certamente tocado por uma questão até hoje sem resposta: O que é que a
baiana tem? E isso por mais que a falsa baiana tenha revirado os olhinhos. E
por súbito que um baiano de cepa, Gilberto Gil, afirme ser a carioca Anitta,
sua favorita em tempos recentíssimos, uma “decorrência” de Ivete e Daniela.
Pois então. Quem não puder dormir com um barulho desses, pode começar a contar
carneirinhos de LED.
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