sexta-feira, 5 de junho de 2015

Androides sonham com ovelhas elétricas?

15 de abril de 2014
por José Pedro Antunes

Ninguém haverá de discordar: o título é um achado. Adianto: não é da minha lavra. E nem pretendo me aventurar pelas searas da ficção-científica, hoje cada vez mais assoladas pelos ventos do pós-qualquer-coisa. Num congresso que tinha por tema “desafios na era digital”, um dos convidados discorreu sobre as possibilidades do gênero. No exemplo de duas produções cinematográficas: “Blade Runner” e “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Era o ano da graça de 2010.

Microfone franqueado ao público, alguém quis saber se não era auspicioso que as piores distopias desses e tantos outros filmes e livros não se tenham, afinal, realizado. E algumas delas literalmente datadas, como o romance de Orwell (“1984”) ou o filme de Stanley Kubrick. E fato é que seguimos vivendo nossas vidinhas mais ou menos. Nenhum sinal de que daremos algum salto inesperado rumo a futuros talmente espetaculares.

Sobre “Blade Runner”, alguém comentava ser aquele, hoje, praticamente o cenário das nossas grandes cidades: caos generalizado, cracolândias, edifícios e monumentos pichados, vandalismo, depredações, truculência, corpos tatuados, faltando só mesmo uma chuvinha ácida impenitente. E néon, muito néon para dar aquele clima. Em São Paulo, hiperativistas chiam contra a recém-instalada iluminação LED, por nociva aos pássaros, ao extinguir o breu da noite e instaurar um dia claro perene e insuportável.

Por estas nossas paragens, a profusão de semáforos e um que outro telão podem até semicegar o motorista em alguns pontos. Com chuva, os reflexos no asfalto até produzem efeitos especialíssimos. Senão, tudo na mais perfeita e sabida ausência de ordem, emoldurada pelos desatinos de quem deveria ter tino e pelo insondável tom blasé com que os sem-noção, rosto iluminado por geringonças tecnológicas, acharam de enfrentar este mundo pós-pós. Ah, esse ensimesmamento que se compraz em se ver para sempre enredado em variações sobre um tema não dado. E que se reproduz on-line ad infinitum.

Mas o leitor já estará a se perguntar o porquê do título lá no alto. Pois um dos nossos raros (e ralos) cadernos culturais noticiava, no domingo, o relançamento do livro que deu origem a “Blade Runner”. E os editores houveram por bem restaurar o título original  (e originalíssimo!). Qual seja, a pergunta, aquela, no início destas maltraçadas: “Androides sonham com ovelhas elétricas?”


Capa da primeira edição de "Androides sonham com ovelhas elétricas?"

primeira edição de Do androids dream of eletric sheep? (1966)

Quem já tem idade, se recordará de uma outra que outrora abalou a humanidade: “Eram os deuses astronautas?” feita pelo suíço Erik (Anton Peter) von Däniken. Eu mesmo prefiro perguntas instigantes como as que costumava fazer Marcel Duchamp. Uma delas: “Pode alguém fazer uma obra que não seja de arte?” Que ele passou a vida a responder, expondo objetos produzidos em série: uma pá de limpar a neve nas ruas, um urinol, uma roda de bicicleta, a Mona Lisa de bigode, entre outros.

Mas pergunta nenhuma superará aquela que nos pegou de surpresa no vestibular para o Curso de Filosofia em Sorocaba. E que virou piada por conta do cacófato: “O que há com o ser do ente?” Por falar em doente, o filósofo Wittgenstein foi quem mais decididamente cuidou de botar freios à metafísica, propondo uma “terapia da linguagem”. Nada mau para um mundo que tendia a obnubilar as mentes com tantos engodos, enquanto o pau prometia comer século XX adentro e século XXI afora. A propósito, consta que o pensador austríaco era fã incondicional da (nem tão nossa) Carmen Miranda. Certamente tocado por uma questão até hoje sem resposta: O que é que a baiana tem? E isso por mais que a falsa baiana tenha revirado os olhinhos. E por súbito que um baiano de cepa, Gilberto Gil, afirme ser a carioca Anitta, sua favorita em tempos recentíssimos, uma “decorrência” de Ivete e Daniela. Pois então. Quem não puder dormir com um barulho desses, pode começar a contar carneirinhos de LED.  

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