11 de novembro de 2014
[Christiane Hoffmann (FAZ)
entrevista o filósofo Christoph Türcke, autor de “Hyperaktiv! Kritik der
Aufmerksamkeitsdefizit Kultur” [Hiperativos! Crítica da Cultura do Déficit de
Atenção], pela C. H. Beck Verlag, 2012. Tradução: Zé Pedro Antunes.]
E por que cultura?
Vivemos numa cultura de
estimulação microeletrônica, que nos expõe a um constante bombardeio de
impressões. Nesse sentido, a penetração das telas no mundo do trabalho foi mais
um grande salto adiante.
Nossa sociedade inteira sofre
do déficit de atenção?
Não se trata de uma doença
num ambiente saudável. A sociedade inteira sofre de crescente incapacidade de
atenção. Nas crianças, ela se manifesta com força máxima. Falo de uma
perturbação cultural. Sofremos de “dispersão concentrada”. Conceito paradoxal.
Constantemente nos empenhamos em nos dispersar. O que, longe de levar à
distensão, produz estresse.
E perde-se a capacidade da
atenção?
Os meios eletrônicos produzem
efeito quase sempre abrupto sobre os sentidos. Cada imagem é um pequeno choque,
um pequeno desvio. A atenção é estimulada, o que é positivo, sendo uma
importante técnica cultural do cinema. Mas, incessantemente interrompida,
redunda em seu contrário. Com sempre novos estímulos, perde-se a capacidade de
permanecer em algo.
Mas o ser humano é hoje muito
mais capaz de atenção do que antes. Penso num conceito: multitarefa.
A atenção é uma capacidade
historicamente crescente. Ela é maleável. Hoje podemos nos entreter enquanto
dirigimos um carro. Mas a maleabilidade tem limites. A ideologia do multitarefa
parte de falsas premissas. Acreditar possível fazer cinco coisas ao mesmo tempo
com a mesma atenção é um equívoco.
Não deveriam então os adultos
e não as crianças sofrer de TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade]?
As crianças têm a vivência de
como os adultos se habituaram a interrupções constantes. Enquanto brincam com
os filhos, a tevê ligada, eles checam e-mails e fotos. Crianças aprendem a
atenção mais ou menos aos nove meses. É quando começam a se ligar, admiradas,
no que os adultos lhes apontam. Processo imprescindível para o seu
desenvolvimento. Quando incessantemente perturbado, as consequências são
dramáticas. É imperceptível quando a criança é ainda muito pequena. [...] A
carência de atenção pode ter uma invisibilidade diabólica, mas a longo prazo
produz efeitos contundentes. O único calmante para essas crianças – afora o
metilfenidato [ritalina] – é a tela.
Você vê o TDAH como fenômeno
cultural. Mas os diagnósticos não costumam apontar uma perturbação neuronal?
Em geral, longe de ser um
defeito físico, é consequência da enorme capacidade de adequação do nosso
cérebro. Adequar-se a sempre novos estímulos, nisso consiste sua inteligência e
criatividade. Na elaboração desses estímulos, ela configura vias e padrões
neuronais. E padrões que se preservam são consolidados. Padrões estáveis são
imprescindíveis para a estabilidade mental. Mas quando uma avalanche de
estímulos obriga a construir sem parar algo de novo, a construção resulta em
desconstrutividade. Pensemos num canteiro de obras: Se cada parede for
interrompida para dar lugar à construção de outra parede, não vai surgir nunca
um edifício.
Pode ser que também a
demência senil tenha a ver com a constante “dispersão concentrada” produzida
pelo excesso de televisão?
Ainda não me dediquei ao
tema, mas algumas coisas sugerem que sim.
Por outro lado: O que é,
pois, tão ruim na “dispersão concentrada”? A humanidade tem, afinal, tanta
criatividade e capacidade performática
como nunca em sua história.
É a ideologia do progresso.
Uma quantidade crescente de estudantes não consegue mais seguir uma hora e meia
de atividades pedagógicas, mesmo uma apresentação em Power Point com muitas
imagens. O Power Point, como estimulante didático, leva afinal à perda da
capacidade de pensar sem o constante acompanhamento de imagens.
Talvez as aulas de hora e
meia simplesmente se encaixem numa forma tradicional de cultura. Mas o
progresso, hoje, exige aptidão para mudanças velozes e constantes. Por que o
pessimismo cultural?
Sem a capacidade de
permanecer num assunto, não se pode conceber mais nenhuma ideia clara. [...]
Mesmo a imaginação, a capacidade de criar imagens interiores, desaparece,
porque sofremos incessante bombardeio de imagens exteriores e isso afeta a
capacidade da experiência durável. Nenhuma razão para pessimismo cultural, mas
tampouco cumpre lamentar um processo inalterável. Nós também desenvolvemos
estratégias contrárias.
Quais?
Criação de espaços de blindagem,
não exposição permanente aos meios de comunicação. Eu, por exemplo, não tenho
tevê.
Estratégias individuais,
portanto?
Também podem ser coletivas.
Com os meus alunos, eu promovo jornadas em locais onde não há sinais de
internet, onde, enclausurados, tratamos apenas dos nossos assuntos.
Para a sociedade hiperativa
você prescreve rituais. Por que eles são importantes?
O homem é um animal de
repetição. Homem ele se tornou por meio de rituais de sacrifício, com os quais
emulava os horrores da natureza, para poder dominá-los. Rituais têm efeitos
tranquilizantes. Sem a constante repetição não se assimila nada. Claro, também
é possível fixar coisas erradas, mas sem a repetição não se fixa absolutamente
nada.
Os computadores são realmente
culpados pela hiperatividade? Ao desprezar os rituais, negar a memorização e
demolir as regras de aprendizagem, a geração de 68 não contribuiu para esse
estado de coisas?
Primeiro: Máquinas nunca são
“culpadas”, somente, e sempre, quem lida com elas. Portanto: Sim, minha geração
subestimou a importância dos rituais e das repetições, quando não os baniu
inteiramente. Sobretudo no mofo do pós-guerra, com tanto vazio ritual. De tanto
ter que decorar, passamos a classificar a memorização como irrefletida.
Você sugere a introdução de
uma ‘Disciplina dos Rituais’. O que vem a ser isso?
Um eixo tranquilizante, que
deve perpassar o cotidiano escolar em todos os níveis e tipos de escola. No
curso básico, breves apresentações regulares em todas as disciplinas e a serem
elaboradas pelos alunos, o que requer repetição e memorização, cujo efeito é
tranquilizante e estabilizador.
E depois?
Sobre essa base, seria
preciso introduzir uma disciplina autônoma: a ‘Disciplina dos Rituais’, unindo
religião e sociologia, com a mesma duração de todas as outras disciplinas.
Estruturas sociais não passam de rituais sedimentados. Trata-se de fazer com
que o conjunto da sociedade tome consciência do alcance dos rituais. Não no
sentido confessional, mas com bastante ênfase no significado da religião.
Assim, teríamos um fórum para os conflitos provenientes da mistura
multicultural nas escolas, abrangendo todas as culturas e subculturas que hoje
nelas convivem. Cada qual aprender a professar o que lhe é importante e
sagrado, sem ferir os demais, é algo que poderia ser elaborado na referida
disciplina. Teria, pois, tanto individual como socialmente, um caráter
tranquilizador.
Mas a hiperatividade não
começa muito antes, na família?
Tem razão. Há que investir
também nas famílias. Mas o início da
vida escolar é o primeiro momento em que temos a oportunidade de um programa
abrangente.
Eu admito: ao longo desta
nossa conversa telefônica, várias vezes me peguei a conferir e-mails ou a espiar
se não recebera um SMS. Como se manifesta na tua vida a cultura do TDAH?
Sobretudo com a imposição de
ter de conferir os e-mails. No mais, repito, não tenho aparelho de tevê.
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