2 de julho de 2014
[Uma breve entrevista (Focus Online), para introduzir
uma narrativa breve: “Intervalo para o almoço”. O entrevistado, no caso, e
autor da narrativa é Wolf Wondratschek (1943 – ), expoente da geração que
emergiu ao longo dos anos 1960. Tal como os predecessores no imediato
pós-guerra (Grupo 47), esses jovens autores cultivaram a brevidade, mas,
diferentemente deles, optaram por superar um tempo que não deveria eternizar-se
num eufemismo: “passado recente” (nazismo, guerra, holocausto). Narrativa
extraída de: “Früher begann der Tag
mit einer Schusswunde” (Antigamente o dia
começava com uma ferida de bala), Hanser-Verlag, Munique 1969. Tradução: Zé Pedro
Antunes.]
O que te agrada especialmente em você mesmo? Não sei mentir. / Com que frase sábia nos brindaria? “Não queira possuir, seja
possuído.” / Do que seria capaz de rir?
De um garçon que tropeça. / Quando
criança, queria ser…? Como meu pai, quando ele tocava piano. / Uma tentação? A contemplação do jardim
de um mosteiro. / Qual projeto político
gostaria de ver acelerado? Respeito pelos revolucionários. / Três livros a elogiar. “Run River” de
Joan Didion, “A Dádiva” de Vladimir Nabokov e “Orlando“ de Virginia Woolf. / Com quem gostaria de ser confundido? Sinceramente,
com ninguém. / Quem faria o teu papel,
se a tua vida fosse filmada? Num filme de Hollywood: Sean Penn. / Qual o erro mais dramático que já cometeu?
Aos 16, quando fugi para Paris, eu queria falar com o meu melhor amigo e errei
ao discar – ouvi a voz do meu pai do outro lado.
Intervalo para o almoço
Ela está sentada num Café que
dá para a calçada. Ela logo cuida de cruzar as pernas. Ela não tem muito tempo.
Ela folheia uma revista de moda. Os pais sabem que ela é bonita. Os pais não
vêem com muito bons olhos. Por exemplo. Ela tem amigos. Mas não diz esse é o
meu melhor amigo quando aparece em casa com um deles. Por exemplo. Os homens
riem e lançam olhares; imaginam o rosto dela sem os óculos escuros. O Café está
superlotado. Ela sabe exatamente o que deseja. Na mesa ao lado também está
sentada uma garota com as pernas cruzadas. Ela odeia batom. Ela pede um café.
Às vezes, ela pensa em filmes, e pensa em filmes de amor. Tem que ser tudo bem
rápido. Às sextas, o tempo alcança para pedir um conhaque junto com o café. Mas
costuma chover às sextas-feiras. De óculos escuros é mais fácil não enrubescer.
Com o cigarro seria ainda mais fácil. Lamenta não saber dar tragadas. Os
intervalos para o almoço são um divertimento. Quando não é abordada, ela
imagina como seria se um homem viesse abordá-la. Ela riria. Ela daria uma
resposta evasiva. Talvez dissesse que a cadeira ao lado estava ocupada. Ontem
alguém dirigiu a ela a palavra. Ontem a cadeira estava desocupada. Ontem ela
ficou feliz que o intervalo para o almoço passasse bem rápido. No jantar os
pais diziam que um dia eles também foram moços. O pai diz que só fala por bem.
A mãe chega a dizer que na verdade fica temerosa. Ela responde que o intervalo
para o almoço não oferece qualquer perigo. Nesse meio tempo, ela aprendeu a não
se decidir. Ela é uma garota como as outras. Ela responde uma pergunta com
outra pergunta. Embora fique regularmente sentada no Café, o intervalo para o
almoço é mais cansativo do que redigir cartas. De todos os lados ela é
observada. Ela imediatamente se dá conta de que possui duas mãos. Impossível
deixar de pensar na saia que está usando. Importa que ela seja pontual. No Café
não tem bêbados. Ela brinca com a bolsa. Ela agora não compra jornais. Que bom
se a cada intervalo para o almoço acontecesse uma catástrofe. Ela poderia
chegar bem atrasada. Ela poderia viver uma grande paixão. Se ninguém vem até
ela para cobrar, ela vai lá dentro e paga o café junto ao balcão. À máquina de
escrever, ela tem tempo de sobra para pensar em catástrofes. Catástrofe é sua
palavra preferida. Sem a palavra preferida, não teria nenhuma graça o intervalo
para o almoço.
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