29 de janeiro de 2014
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Domingo último, 26/01/2014, o colunista
Rodrigo Brandão, da Tribuna Impressa de Araraquara, incluía meu nome num
pequeno rol de cinéfilos “inquestionáveis”, em artigo que terminava com o
vaticínio de que “Django Livre” está fadado a se tornar um clássico. Para mim,
já é um clássico. Como “Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction”, “Jackie Brown”, “Kill
Bill”, “Bastardos Inglórios”, enfim, a filmografia inteira de Quentin
Tarantino. Obras que não me canso de rever. E cada vez que as revejo,
descubro-as ainda melhores. E não se trata de um vício solitário. Facilmente
reuniríamos uma plateia entusiasmada de tarantinófilos para revê-las e
comentá-las.
Uma ideia: um ciclo de filmes de
Tarantino. Outra ideia: um ciclo reunindo cinéfilos notórios (não sei se eu
mesmo caberia na minha própria lista), cada qual escolhendo uma película para
comentar. Olha eu aqui de volta aos tempos em que ter ideias e fazer com que
elas se concretizassem era a rotina. Hoje tudo esbarra em burocracia: editais,
projetos, planilhas e relatórios. Às vezes tenho a impressão de que nenhum
impulso criativo nos visitará mais, nunca. É ver as programações culturais e
constatar: entre tributos e resgates, uma mesmice de dar desgosto. Ninguém mais
troca o (indigestamente) certo pelo (saudavelmente) duvidoso. Para alguns
programadores, chego a pensar, talvez a existência de plateias seja mesmo
dispensável.
Em “A memória que me contam” (2013), Lucia
Murat quis que Irene Ravache voltasse a ser, 24 anos depois, Irene, a
protagonista de “Que bom te ver viva” (1989). Na releitura atualizada da nossa
história política dos anos 1960 a esta parte, o elenco conta com uma
participação especialíssima: Franco Nero. Ele que em “Django Livre” faz uma
ponta em homenagem ao “Django” de Sergio Corbucci, inspiração declarada do
cineasta americano, que tem agora mais um western na agulha.
Ainda no domingo, no mesmo jornal, o
cronista Ignácio de Loyola Brandão nos remetia a um dos livros mais influentes
do século XX: “O Apanhador no Campo de Centeio”. Foi ao passar por um cinema e
se deparar com um cartaz que anunciava “Dear Ruth” (entre nós, horrorosamente,
“Ruth Querida”), com William Holden e Joan Caufield, que Salinger batizou seu
personagem: Holden Caulfield. (Digite esse nome no google e boa viagem.) Se
ainda não leu, só ganhará em fazê-lo. Mas prepare-se para um incômodo: algumas
soluções da tradução brasileira estão mais do que vencidas. Depois de tantas
edições, já era tempo de se pensar, se não numa nova tradução, ao menos em
atualizações que nos livrassem desse mal desnecessário.
Tem-se como desaconselhável, nas
traduções, o uso de gírias ‘da hora’. É da natureza desses usos que o prazo de
validade seja exíguo. Como não costuma ser longa a vida das piadas. Em “Sonhos
de um sedutor” [“Play it again, Sam”], com Woody Allen dirigido por Herbert
Ross, o personagem Dick (Tony Roberts) cultiva uma obsessão telefônica. Aonde
quer que chegue, trata imediatamente de informar os números nos quais poderá
ser flagrado naquele e nos próximos instantes. Na primeira ocorrência, a esposa
(Diane Keaton, pela primeira vez ao lado de Allen) lhe diz: “Tem um orelhão ali
na esquina. Quer que eu vá anotar o número? Logo vamos estar passando por lá”.
E ele segue o filme inteiro com essa piada, vencida, que os “novos zumbis”
(cito Javier Marías) não saberão entender. Eles que viram a luz deste mundo não
na forma de uma lâmpada elétrica, como o Oskar Mazerath de “O Tambor” (romance
de Günter Grass transformado em filme por Volker Schlöndorff), mas numa telinha
de LED.
E já não haverá mais como nos livrarmos
desse mal, convenhamos, só raro em raro deveras necessário? E haverá mesmo o
que não se possa resolver no orelhão ali da esquina? Em 1971, em Porto Seguro,
havia um único aparelho no povoado. Pregado num poste de madeira. Era o
“pau-de-conversa”. E o mais era a natureza em seu sossego. E silêncio.
imagem: orelhão na avenida Paulista exibe a obra O que você tem na cabeça?, da publicitária Carla Pires de Carvalho Fernandes. Foto: Felipe Rau/AE
Nenhum comentário:
Postar um comentário