14 de junho de 2015
por José Pedro Antunes
por José Pedro Antunes
Atônitos, seguimos lidando
com o tempo. Há quem opine que ele, hoje, transcorre muito mais rápido do que
nunca antes neste nosso planetinha em trânsito. Leio que já lá se vão dez anos
da denúncia do mensalão por um representante do povo que às vezes também
soltava uns trinados líricos. Alguns dos denunciados, sabe-se, na prisão se
repaginaram, se descobriram poetas, o que não os impede de eventualmente, sem
perda alguma para a poesia, retornar à política. Mas, por falar em lirismo
brasuca, o Mário Martinez me contou que o Caetano Veloso andava ensaiando uma
das “Bachianas Brasileiras” do Villa-Lobos, a que conhecemos de “Terra em
Transe” e do enterro do Glauber Rocha, na voz de Maria Lucia Godói. Há tempos
houve na cidade uma exposição chamada “Ba(c)hianas Brasileiras”, com quadros
que retratavam mulheres da terra da felicidade como o cantor.
Pois a turnê europeia dos
corifeus do Tropicalismo está para começar. Quando nos dermos conta, por alguma
matéria solta na imprensa minguante destes nossos atônitos átimos de instantes,
já terá terminado. E sem deixar de passar por Israel, apesar dos quereres dos
defensores da Causa Palestina. Entre eles, aquele ex-vocalista da banda com a
vaca na capa do disco, que eu jamais imaginei engajado, menos ainda o fã dos
tropicalistas que hoje diz ser.
Aliás, a turnê de ganhou nome
extenso, como nunca antes na carreira que ora festejam, bem longe daquelas
denominações tiradas do “baú de brasilidades” que os brasileiros, quando no
exterior... Bem, vocês viram o que aconteceu com o sobrinho do Tim Maia, não
é? Equação: 50 mais 50 dão “um século de música”. Ou: todos os tons de agora é
cinza no colorido tropicalista. É assim que Caetano e Gil invadem as principais
cidades do velho continente.
Em Loki, um dos tropicalistas
da primeira hora (talvez já fosse isso mesmo antes da primeira hora) se dizia
surpreso ao ser reconhecido nas ruas de Londres. Já em The Love We Make, aquele
beatle que diziam que já tinha morrido não se amofina nem um pouco com o
assédio de beatlemaníacos remanescentes e/ou recentemente assumidos.
O DVD Abraçaço já estava aqui
me desafiando sobre a mesa da sala há semanas, mas por alguma razão eu hesitava
em encará-lo. Até gostei muito, quando do lançamento, de poder ouvir sem parar
os “thelonius monk’s blues” da safra mais recente, sobretudo por não ter dado
com nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.
Mas eu temia talvez não
reconhecer o que havia debaixo das comportadas cãs de um apenas raro em raro
rebolante senhorzinho acompanhado por três garotos musicalíssimos,
antenadíssimos tanto no que se faz no mundo, como na agora chamada “música
(im)popular brasileira”. O fato é que eles lançam mão de um baú de
universalidades, espécie de caixa preta para ser aberta num futuro que já
ninguém sabe se teremos.
Comentando com um amigo,
baterista, metade da minha idade, ele até se aprumou na cadeira para um
desabafo geracional: “Não sei como alguém consegue ver um show do Caetano
Veloso.” Pensei em argumentar que o bardo baiano é dos poucos que ainda mantém
o viço, e sem os vícios de antes, e que vai se safando agora que o rock já nem
é mais atitude. Que isso que ele está fazendo é bem mais do que Robert
Zimmermann vem perpetrando atualmente em sua norteamericana saga.
Coincidentemente, no domingo
um crítico comentava, em tom elogioso, a temporada de Abraçaço numa choperia em
Sampa. Na segunda, o outro grande jornal falava do derradeiro amplexaço,
verdadeiro paradoxo ao ar livre: um show intimista para onze mil pessoas com
suas engenhocas eletrônicas em riste, número surpreendente para estes nossos
tempos de plateias minguantes.
Uma noite dessas, caminhando
pelo centro, comecei a ver pessoas em
trajes bem ‘an(p)tigos’, espécie de ‘hindumentária’ momentosamente arrancada de
um baú improvável. Perguntei à garota que me servia na Esquina Árabe se já era
a Virada Cultural. Comanda na mão, ela me respondeu distraída: “Ué, esqueceu
que tem show do Alceu Valença no Sesc?!”