13 de janeiro de 2014
[Na íntegra, o
manifesto “Escritores
contra a vigilância massiva” (Dia
Internacional dos Direitos Humanos, 10/12/2013),
seguido de uma breve declaração do escritor Javier Marías como signatário entre
562 escritores e intelectuais de 82 países. Tradução: Zé Pedro Antunes.]
Escritores
contra a vigilância massiva
Nos últimos
meses, o alcance da vigilancia massiva virou fato bastante conhecido. Com uns
quantos cliques no mouse, o Estado pode acessar nossos dispositivos móveis,
correio eletrônico, redes sociais e buscas na internet; seguir a pista de
nossas inclinações e atividades políticas; e, em colaboração com as provedoras,
reunir e armazenar todos os nossos dados, antecipar pretensões de consumo e
comportamentos.
O pilar básico
da democracia é a integridade inviolável do indivíduo. A integridade humana não
se limita ao corpo como um ente físico. Todos os seres humanos têm o direito de
não ser observados nem perturbados em seus pensamentos, entornos pessoais e
comunicações.
Este direito
humano fundamental ficou anulado e esvaziado pelo mau uso dos avanços tecnológicos
por parte de Estados e empresas que levam a cabo programas massivos de
vigilância.
Uma pessoa
vigiada deixa de ser livre; uma sociedade vigiada deixa de ser uma democracia.
Se queremos que nossos direitos democráticos sigam valendo, é necessário que
eles sejam respeitados, para além do espaço físico, no espaço virtual.
— A vigilância
viola a esfera privada e põe em perigo a liberdade de pensamento e de opinião.
— A vigilância
massiva trata todos os cidadãos como possíveis suspeitos. Anula um de nossos
trunfos históricos, a presunção de inocência.
— A vigilância
torna transparente o indivíduo, enquanto Estado e empresas atuam em segredo.
Como vimos, este é um poder do qual se abusa sistematicamente.
— A vigilância é
um roubo. Esses dados não são propriedade pública; eles nos pertencem. Quando
utilizados para prever nosso comportamento, algo mais estão nos roubando: o
princípio do livre arbítrio, parte essencial da liberdade democrática.
Exigimos o
direito de que cada cidadão decida quais de seus dados pessoais podem – na
falta de um procedimento legítimo – ser reunidos, armazenados e processados, e
quem pode fazê-lo; que possa se informar sobre onde se armazenam e como se
empregam seus dados; conseguir que se apaguem seus dados obtidos e armazenados
ilegalmente.
Exigimos que
todos os Estados e empresas respeiten estes direitos. Conclamamos todos os
cidadãos a que se levantem para defender estes direitos. Fazemos um apelo à ONU
para que reconheça a vital importância que tem a proteção dos direitos civis na
era digital e crie uma Carta Internacional de Direitos Digitais. Fazemos um
apelo aos Governos para que adiram a esse acordo.
Ninguém tem o
direito de saber onde estou
Javier Marías
“Não uso
computador, uso máquina de escrever. Ninguém deve saber de minhas buscas e
interesses. Razão pela qual para tudo isso continuo a usar livros. Não tenho
endereço de e-mail, não quero que invadam minha correspondência, menos ainda a
polícia ou o governo. Não que tenha algo a esconder. É exclusivamente uma
questão de princípio. Liberdade individual não pode haver quando se é
espionado, sempre que as autoridades querem e podem rastrear o que se diz ou
escreve. Celular só uso em viagens.
Uma vez fui de
carro de Amsterdã a Bruxelas. Antes de saber que chegara à Bélgica, meu
aparelho recebia a mensagem: “Bem-vindo à Bélgica”. Ninguém tem o direito de
saber onde estou antes de eu vir a sabê-lo. Por isso assinei o manifesto,
e não uso nada que contra mim possa se voltar. Não por temer que minhas ações
ou movimentos sejam do interesse de alguém, não sofro de delírios
persecutórios. Repito, é uma questão de princípio. Precisamos defender o
direito de mentir, porque a mentira tem sido, até aqui, um dos poucos refúgios
para a liberdade individual.”