quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A fuga em camisa

12 de outubro de 2016

No capítulo “A fuga em camisa” de Una casa para siempre (E. Vila-Matas, Alfaguara, 1988), se inclui um relato que é uma lenda chassídica que, segundo consta, fascinava Franz Kafka. Assim reza a lenda:
“Conta-se que num povoado chassídico, uma noite ao final do Sabá, os judeus estavam sentados numa mísera casa. Eram todos do lugar, salvo um deles, a quem ninguém conhecia, homem particularmente miserável, maltrapilho, que permanecia acocorado num ângulo escuro.
A conversa havia tratado dos mais diversos temas. De repente, alguém achou de perguntar qual seria o desejo que cada um teria formulado se tivesse a oportunidade de satisfazê-lo. Um queria dinheiro, o outro um genro, o terceiro um novo banco de carpintaria, e assim ao longo do círculo.
Depois de todos terem falado, restava ainda o mendigo em seu rincão escuro. De má vontade e vacilando, ele respondeu:
Disse: “Quisera ser um rei poderoso e reinar num vasto país, e encontrar-me uma noite dormindo em meu palácio, e que das fronteiras irrompesse o inimigo e que, antes do amanhecer, os cavaleiros estivessem frente ao meu castelo, e não opusessem resistência, e eu, despertado pelo terror, sem tempo sequer para vestir-me, houvesse tido que empreender a fuga em camisa, e que, perseguido por montes e vales, por bosques e colinas, sem dormir nem descansar, tivesse chegado são e salvo a este rincão. Isso eu queria.”
Os outros se olharam desconcertados. “E, que teria ganhado com esse desejo?, perguntou um deles. “Uma camisa”, foi a resposta.



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